segunda-feira, 9 de outubro de 2017

2001 - 2017 RIP IMDB Message Board



Depois de 16 anos de sucesso, a secção do IMDB que permitia aos utilizadores apaixonados discutirem cinema, vai ser encerrada por estar visivelmente transformada numa batalha ideológica e de interesses comerciais. Quem são os Trolls, qual o papel destes nesta decisão e que repercussões para a liberdade de expressão terá uma decisão como esta. Será que existe tal coisa como excesso de liberdade? Todas estas questões se levantaram quando o Internet Movie Database anunciou em comunicado passado dia 3, que a partir do dia 19 de Fevereiro os utilizadores não poderão usar mais o “Quadro de Mensagens”, Message Board no seu original. Esta secção popular do IMDB onde há 16 anos os utilizadores discutiam apaixonadamente diferentes temas relativos a cada filme, irá simplesmente desaparecer. Em comunicado, o IMDB alega que esta deixou de ser uma experiência útil e positiva para os utilizadores.

O IMDB nasceu 1989 em Bristol pelas mãos de um cinéfilo britânico, Col Needham. O que começou por ser uma base de dados pessoal, tornou-se na maior base de dados do mundo do cinema e da televisão, à medida que mais pessoas se juntavam à equipa e que os dados alojados na Universidade de Cardiff se tornaram numa empresa alojada num servidor de internet, com accionistas e ganhos através da publicidade e parcerias. O sucesso foi tanto, que em 1998 a Amazon comprou a maioria das acções por 55 milhões de dólares, tornando-a assim numa empresa privada. O IMDB continuou a crescer e tem hoje 77 milhões de utilizadores registados para além dos 250 milhões de visitantes mensais. Foi assim com grande espanto que os utilizadores receberam a notícia do fecho de uma das secções mais visitadas e sem dúvida, aquela onde uma maior forma de interacção era permitida, principalmente ao publicar a contribuição de qualquer utilizador registado que se quisesse manifestar. Ou talvez não.

Passeando rapidamente pelo message board que ainda está visível, as opiniões dividem-se entre aqueles que lamentam que a IMDB tenha chegado a esta decisão, ameaçando inclusivamente abandonar o site, uma vez que lhes consideram ter sido cortada a liberdade de expressão, e entre outros que aplaudem esta decisão, uma vez que à semelhança do que é referido no comunicado do IMDB, já há muito não retiravam uma experiência positiva deste departamento alargado ao público. Os chamados trolls são acusados de serem os principais responsáveis por isto acontecer. Certo é, que se visitando o quadro de mensagens de um qualquer filme, tomemos por exemplo o recém-estreado “Hidden Figures”, a maioria das mensagens contém ódio e linguagem imprópria, limitando as análises ao filme que trata o sucesso das primeiras mulheres negras na Nasa, a mensagens racistas, neo-nazis e políticas. Estes trolls, chamados assim por espalharem ódio na internet através de perfis falsos, transformaram aquilo que era até então um espaço de debate entre cinéfilos, numa batalha campal ideológica, onde a linguagem sobe de tom, os insultos são uma constante e as ameaças passam os limites do aceitável. Fontes não oficiais asseguram que esta situação piorou razoavelmente desde que o Presidente Trump ganhou as eleições e as questões políticas tomaram a ordem do dia em todos os sectores da cultura americana.

Esta não é, porém, a única consequência do vandalismo cibernético. O IMDB possui um sistema de votações, que é utilizado por sites de cinema de todo mundo como barómetro acerca da qualidade dos filmes ou séries inscritas. A partir do momento que este valor, resultado da média entre os votos dos utilizadores, começou por ser visivelmente influenciado por grupos de pressão contra ou a favor do filme, esta questão levanta também ondas de cariz económico e comercial. A nível de exemplo, temos o filme “I am your negro”, documentário nomeado aos Óscares, que no dia da estreia recebeu 409 votos de classificação de uma estrela apenas, contra 318 votos de classificação de 10 estrelas, e um número quase inexistente de votos entre as pontuações que se posicionam entre a votação mínima e a máxima. Mais que uma votação honesta de cinéfilos, esta tornou-se uma guerra racial, com repercussões de resultados de bilheteira influenciados por estes resultados. O mesmo foi se registando ao longo de 2016, onde filmes de culto recebiam milhares de votações de dez estrelas mesmo antes da estreia, enquanto outros eram siderados pelas votações mínimas possíveis em massa, principalmente quando tratavam uma questão sensível, que era considerada partidária, homofóbica, sexista ou mesmo de caracter nacionalista pelos ditos trolls cibernéticos. Tendo em conta os milhões que as produtoras ganham e perdem com esta média aritmética que influencia resultados de bilheteira, a Amazon começou cada vez mais a ver-se numa posição delicada, onde o conflito de interesses comerciais parece falar mais alto.

Em boa verdade, o que está a acontecer com o IMDB, esta regressão na liberdade de expressão do utilizador comum, parece alargar-se a outras plataformas online onde a liberdade parece mais uma escravatura dos interesses de agenda de grupos ideológicos. Perante um ecrã de um computador e tendo a seu favor o anonimato, o cidadão comum parece dar azo ao pior que há em si, fazendo desta luta, tudo menos inocente. Será este um sinal dos tempos que nos diz que afinal existe tal coisa como “liberdade em excesso”? Apenas o tempo o dirá, mas uma vitima já está feita, e os cinéfilos verdadeiros, dirão adeus com saudade ao que foi em tempos, o sítio mais desafiante da internet para se discutir verdadeiramente cinema.

(Este texto foi publicado pela primeira vez dia 13 de fevereiro no portal www.ricardojorgepinto.com)

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